Inventário Participativo de Pessoas e Memórias
A experiência do Museu de Arqueologia de Itaipu
na construção colaborativa de um projeto
A partir de discussões, rodas de conversa e cursos promovidos pelo MAI em parceria com os pescadores e com universidades que já atuavam na região, foi identificado como prioritário para a preservação das memórias locais um projeto de captação de histórias de vida. Como em diversas comunidades tradicionais, as histórias, memórias e saberes da pesca artesanal não estão sistematizados de forma autoral em livros, arquivos, bibliotecas ou museus; são conhecimentos transmitidos fundamentalmente de forma oral, especialmente pelos mais velhos. Em Itaipu, as histórias de vida estão intimamente ligadas à ocupação do território, à formação das famílias e grupos de trabalho, ao desenvolvimento econômico e ao universo sociocultural local. As histórias de vida em Itaipu também se relacionam diretamente com a trajetória do MAI e não é possível pensar a instituição sem considerar o protagonismo dos pescadores no que diz respeito ao tombamento das ruínas do Recolhimento de Santa Teresa, à criação do Museu e à formação da coleção arqueológica.
A iniciativa de um mapeamento das memórias e saberes locais só é possível a partir de um entendimento lato sensu das noções de patrimônio e bem cultural, identificados e reconhecidos coletivamente. À diferença de outras ações de documentação, o inventário participativo propõe que os protagonistas do processo de musealização sejam membros da comunidade e não técnicos e especialistas, os quais, embora essenciais na sensibilização conceitual e na orientação técnica, não são mais os únicos responsáveis pelo conteúdo e resultado. As ações de um inventário participativo devem ser percebidas dentro de uma dinâmica de (re)conhecimento que varia ao longo do tempo de acordo com as necessidades do coletivo. A proposta primordial do inventário participativo, portanto, é a horizontalidade no processo de identificação do patrimônio.
O Inventário Participativo, que se pretende um programa contínuo nas ações do MAI, será desenvolvido inicialmente a partir da categoria Pessoas e Memórias e terá como metodologia basilar e técnica investigativa científica a História Oral, a partir da realização de entrevistas. A história oral como método tem como objeto o passado tal qual concebido por quem o viveu, ou seja, a partir de várias visões e interpretações do passado, o pesquisador poderá empreender uma análise comparativa sobre determinados acontecimentos e contextos, partindo do particular para o geral.
A execução do Inventário está dividida em etapas, sendo que a primeira delas é a mobilização e sensibilização da comunidade e dos parceiros.
Inventário Participativo de Pessoas e Memórias: 1ª Etapa
Foram realizadas reuniões para ajustar as etapas de execução do projeto de acordo com as demandas e indicações dos pescadores e moradores de Itaipu. Nestes primeiros encontros foram elaboradas, a partir de indicações da comunidade, a listagem inicial de quarenta (40) pessoas a serem entrevistadas.
O contato com os entrevistados ocorreu em dois momentos: o primeiro deles foi o momento do convite e apresentação do projeto, quando a pessoa foi informada do teor e objetivos do Inventário e quando, então, em uma data conveniente, foi acordada a realização da entrevista. Solicitou-se, também, que o mesmo tivesse consigo, no dia da entrevista, fotos, objetos ou demais itens que lhe sejam caros e significativos. No dia, hora e local acordados, portanto, aconteceu a entrevista – filmada e gravada – levada a cabo por pesquisadores contratados e norteados por um roteiro semiestruturado elaborado pelo corpo técnico do Museu de Arqueologia de Itaipu. Este roteiro é constituído de perguntas simples, encadeadas cronologicamente, que buscam articular as informações sobre a trajetória de vida com as relações e condições socioculturais de Itaipu.
Foram realizadas, ainda, no âmbito do Inventário, rodas de conversa no Museu, que buscavam reunir os moradores para discutir temas específicos, já sugeridos, tais como a relação dos pescadores e moradores com os diferentes patrimônios tombados da região (o próprio Museu de Arqueologia de Itaipu, a Igreja de São Sebastião, a pesca artesanal, a paisagem do Canto de Itaipu), com sítios arqueológicos do entorno como Sambaqui de Camboinhas, Duna Pequena e Duna Grande, e com as unidades de conservação ambiental (Parque Estadual da Serra da Tiririca e Reserva Marinha Extrativista de Itaipu), ou ainda as relações de gênero e trabalho no território, identificando o papel e protagonismo das mulheres moradoras e pescadoras de Itaipu. Essas rodas de conversa também foram registradas e editadas.
O material audiovisual oriundo das entrevistas foi sistematizado de diferentes formas: os áudios foram transcritos e o vídeo completo está disponível no Canal do Youtube do MAI. Estes produtos, além de integrarem o acervo técnico do MAI garantem visibilidade para a comunidade do Canto de Itaipu e para o MAI, além de funcionar como uma ferramenta de preservação da memória do local e de seus habitantes.